Longe vai o tempo da figura parental autoritária. Pais e filhos estão cada vez mais próximos, mas nem sempre as fronteiras estão bem definidas. O que acontece quando o amigo vem primeiro do que o pai?
O sonho de ser pai/mãe faz parte da história da humanidade. O que na realidade tem mudado ao longo do tempo, é a forma como as espectativas, as dúvidas, a demonstração de sentimentos, a necessidade de respeito mútuo e a educação, são vividas.
Temos passado de abordagens muito conservadoras para outras mais abertas e interativas. Há uns anos atrás, a relação entre pais e filhos baseava-se muito na autoridade dos pais, sendo que o respeito do filho se baseava em medo de desapontar e, com isso, ter um castigo. Com a evolução do tempo, passamos a ter uma sociedade mais aberta, mais liberal. Os pais perceberam que uma relação saudável e mais forte com os filhos deverá passar por ser menos austero e ditador, e mais amigo.
Ora, aqui começa a grande dificuldade. Como se pode ser o educador, o que diz SIM, mas também NÃO, o que deixa ir a uma festa de anos do amigo, mas também “obriga” a ir dormir a horas certas ou a ter tempo com a família?
Há vários conselhos que podem ajudar a lidar melhor com esta temática.
- Pais são pais, filhos são filhos. A vontade de sermos muito próximo dos filhos e de ter com eles uma grande relação de cumplicidade, não nos deve levar a querer uma relação de amizade com eles, no mesmo patamar que a relação que têm com os amigos da mesma idade.
- Conversar. Parece uma tarefa difícil, sobretudo com o passar da idade dos nossos filhos. Mas o conversar deve ter origem o mais cedo possível. Por exemplo, na história contada antes de dormir. Mais tarde, quando não gostarem de ouvir uma história, podem gostar de conversar sobre qualquer coisa, desde que lhe dediquemos este tempo. São pequenos momentos, por exemplo ao dar o beijo de boa noite, em que podemos criar o “hábito” de quererem conversar connosco.
- Falar, não gritar. Sempre que falamos em tom normal, a mensagem é melhor recebida. Ao gritar, perdemos parte da razão do que falamos e damos à mensagem um tom ditatorial, que acaba por prejudicar o objetivo da conversa.
- Saber ouvir. Assim como queremos que os nossos filhos nos ouçam até ao fim, para compreenderem todo o sentido, também nós devemos ouvi-los do inicio ao fim, mesmo que queiramos muito interrompe-los, porque percebemos, com toda a certeza, o que querem dizer, e não queremos deixar passar a oportunidade de ripostar naquele momento. Muitas vezes, só no final da sua explicação é que percebemos o que realmente estão a querer dizer. E assim, dá-nos também, tempo para lermos nas entrelinhas, olhando para eles, e construirmos uma resposta mais construtiva e eficaz.
- Elogiar e fazer críticas construtivas. Um desenho feito por um filho é sempre o mais lindo que já vimos. Então porque terminamos o elogio com “Mas se fizesses ali um sol ou pintasses o carro, então é que ficava bem”? Um teste com boa nota tem os parabéns, mas… Podia ser ainda melhor se “não errasses nesta virgula ou naquele sinal matemático”. No entanto, se os nossos filhos fazem uma asneira, esta tem toda a conotação negativa; nada de positivo. Não se teria muito mais sucesso se a base das nossas conversas fosse o elogio e a crítica construtiva um complemento? “Gostei do teu desenho, porque incluíste este, esse e aquele elemento, e as cores estão muito bem combinadas” ou “Grande nota que tiveste! Vê-se bem que estudaste! Estou mesmo orgulhosa!”
- Dizer “não” quando é necessário e não quando é confortável ou mais fácil. Às vezes, é bem mais fácil negar um pedido do que ter de apresentar argumentos que justifiquem as nossas preocupações em relação ao mesmo pedido. Se explicarmos aos nossos filhos porque não concordamos com o que pedem, ele ficam a saber que o “não” é na realidade “tenho medo que o sim te faça mal”.
- Sugerir, com fundamentos válidos, e não impingir. Se queremos uma determinada atitude dos nossos filhos, porque sabemos que influencia positivamente o seu crescimento como pessoa, devemos explicar com fundamentos válidos o porquê dessa mesma atitude. Os nossos filhos percebem que a atitude é para cumprir, mas também entendem porque é importante para eles cumprirem-na.
- Refeições sem telecomunicações intrusas. Ao longo do crescimento dos nossos filhos, apercebemo-nos que o tempo em família é cada vez menor, sobretudo porque o estudo e as atividades extracurriculares requerem cada vez mais tempo. Então, a hora da refeição, mesmo que, sobretudo à semana, possa ser apenas o jantar, deve ser aproveitada para comunicar. E só se comunica sem ruido de fundo. Para podermos ver, ouvir e escutar.
- Nas discussões fazer time out, para evitar o efeito da bola de neve. É muito fácil, no calor da discussão, acabar por se ir dizendo o que não sentimos, ou, então, dizê-lo da forma errada. E isto é tão mais intenso, quanto mais duradoura é a discussão. Tal como a bola de neve afastar-se, e não ripostar, evitando o efeito da bola de neve. Se nos apercebemos que a discussão está a atingir um nível pouco saudável, mesmo que tenhamos razão, mais vale afastarmo-nos por um instante, deixar acalmar os ânimos, e depois retomar a discussão. Nós, pais, ganhamos anos de vida, e os nossos filhos começam a perceber que a discussão não precisa de envolver o falar alto, o acusar e o magoar.
- Responsabilização da confiança mútua. É dos conceitos mais importantes na relação pais-filhos. Nós sabemos que os nossos filhos podem confiar em nós e eles sabem que nós podemos confiar neles. Devemos claramente dizê-lo aos nossos filhos. Dizer-lhes que podem e devem confiar completamente em nós. Mesmo na maior asneira que façam, e depois de os chamarmos à atenção, nós vamos ajudá-los de uma maneira que ninguém mais consegue. E dizer, também, que nós confiamos sempre neles, nas atitudes que têm e nas decisões que tomam. E que confiamos que vão sempre dizer a verdade. Porque sem verdade, a confiança treme.
- Respeitar a existência de segredos, não invadir a privacidade, mas estar disponível para se quiser partilhar. Todos nós temos os nossos segredos, que partilhamos com quem queremos e quando queremos. Os nossos filhos devem ter também esse direito. Se perceberem que não estamos interessados em vasculhar as suas mensagens nas redes sociais, mesmo que o desejemos muito, então com o passar do tempo, mostrar-nos-ão pequenos vídeos partilhados, excertos de opiniões que concordam ou discordam.
- Pedir a opinião, respeitando a idade. Uma boa maneira de ter uma boa relação com os nossos filhos, é pedir a sua opinião em relação a assuntos, inicialmente mais simples e, depois, à medida que eles crescem, mais complexos. Mesmo que a última decisão seja sempre nossa, e eles sabem-no, sentem que são parte da família porque podem opinar sobre “assuntos de adultos”. São exemplos, o perguntar se a roupa está bem combinada, qual o melhor destino das próximas férias ou a nova casa para qual estão a pensar mudar. Claro que isto também pressupõe que se deva evitar conversar em frente aos filhos de um assunto sobre o qual não queremos que opinem.
- Fazer lista de regras em casa, que têm que ser cumpridas, por todos. Cada família desenvolve um conjunto de comportamentos para haver harmonia. Isso constitui um conjunto de regras que devem estar estabelecidos, e que muitas vezes, pode ser necessário estarem escritos, para todos em casa saberem o quão importantes são na dinâmica familiar. As exceções devem também ser explicadas. Se os telemóveis dos nossos filhos têm que ser desligados à noite, devemos explicar porque motivo, em determinada situação, temos que deixar o nosso ligado.
- Elaborar uma lista de tarefas em casa, para todos, porque todos fazem, nenhum ajuda. À medida que os nossos filhos crescem, é útil perceberem que fazer parte da família é também realizar tarefas em casa, numa perspetiva em que os filhos não ajudam os pais, mas contribuem para a casa funcionar bem, tal como os pais.
- Encontrar atividades que possam realizar juntos. O facto de irmos juntos a um parque infantil ou comprar roupa são todas ocasiões que não devem ser desperdiçadas para ajudar a criar uma boa relação com eles.
Resumindo, nós podemos e devemos ser os melhores amigos dos nossos filhos, sem deixar de ser seus pais. A comunicação e o respeito e a confiança são pilares importantes, sobre os quais podemos construir uma relação de amizade inabalável. Mas sem nunca esquecer que os pais verdadeiramente amigos são também os que têm coragem de educar.
Fonte: Dra. Teresa Andrade – Pediatra Equipa COGE