Durante muito tempo ignorado, o Sono é hoje em dia uma das actividades fisiológicas que mais interesse científico tem originado.

Paralelamente, também a sociedade civil manifesta cada vez mais curiosidade nos problemas do Sono, percebendo a sua importância na saúde física, mental e até mesmo no desempenho profissional e social.

Fernando Pessoa

É nas horas de descanso que Cérebro e Corpo se regeneram, num ciclo biológico muito bem estruturado que decorre por fases.

O Sono não é o mesmo ao longo da noite:

  • No estádio 1 os músculos relaxam e a respiração e frequência cardíaca tornam-se mais lentas.
  • Na fase seguinte, estádio 2, a atividade cerebral também se lentifica.
  • No estádio 3 acentuam-se todas estas manifestações.
  • Depois instala-se a fase REM: cerca de 90 minutos após o início do sono os músculos dos braços e pernas ficam em atonia – isto é, estão inativos. Mas os olhos movimentam-se, a frequência cardíaca e respiratória acelera e entramos num ritmo de atividade cerebral próximo do estado de acordado – é nesta fase que sonhamos: a atividade psíquica é intensa mas o corpo está em repouso – a Natureza é sábia.
  • O ciclo refaz-se, repetindo-se 4 a 5 vezes ao longo da noite.
  • Esta é a chamada arquitetura normal do sono. É simultaneamente engenhosa, complexa e frágil!

Qual é o número de horas de Sono ideal?

Cada um de nós tem necessidades diferentes. Mas em média um adulto deve dormir entre 7-9 horas por noite. Há variações entre as pessoas: umas necessitam de dormir mais, e outras menos. Mas as variações extremas constituem situações raras.

Algumas pessoas estão naturalmente “programadas” para se deitarem e acordarem mais tarde (o chamado “atraso de fase”, comum nos adolescentes – ou os “noctívagos”, em linguagem corrente).

O “atraso de fase” pode ser problemático, principalmente quando existem compromissos profissionais para os quais é preciso acordar cedo. Nesse caso, as mudanças devem ser preparadas de forma lenta, antecipando em 15 minutos a hora de deitar, a cada semana. A melatonina pode ajudar, 2 horas antes de dormir, bem como a exposição a luz azul pouco antes de acordar.

Outras vezes são as circunstâncias profissionais que nos obrigam a funcionar em contra-corrente, contrariando o nosso ritmo biológico: é o caso dos distúrbios do sono associados ao trabalho por turnos.

É importante referir que ao longo da vida a necessidade de dormir vai diminuindo progressivamente. Essa é uma situação normal, principalmente se o sono for reparador.

Distúrbios do Sono

A disrupção do sono pode assumir várias formas. As mais prevalentes são a Insónia e os Distúrbios Respiratórios relacionados com o sono, de que a Apneia do Sono é a mais conhecida. Existem outras mais raras como a Narcolepsia, o Síndrome de Pernas Inquietas e as Parasónias (como o sonambulismo, por exemplo).

Abordaremos de forma mais particular a Insónia e as medidas de preservação do Sono. A Apneia do Sono é uma condição do foro da especialidade de Pneumologia.

Ao contrário da Apneia do Sono, em que o doente muitas vezes acha que dorme bem à noite mas acorda sempre cansado e adormece com extrema facilidade durante o dia, na Insónia o doente tem uma consciência aguda de que não dorme bem à noite. E acorda cansado, mas ainda assim a situação repete-se e na noite seguinte torna a não ter um descanso reparador. É um ciclo vicioso, muitas vezes com anos de evolução e perpetuação. Os sintomas diurnos de irritabilidade, perturbação do humor e dificuldades na concentração são muito frequentes nas situações de insónia crónica – aquela que por definição dura há pelo menos 3 meses.

A insónia crónica tem frequentemente múltiplas causas. Mas os maus hábitos de higiene do sono perpetuados ao longo de anos, o abuso de fármacos/substâncias (muitos deles usado inicialmente para combater a própria insónia) e acontecimentos de vida que despertam ansiedade contam-se entre os mais frequentes.

Como podemos preservar e cuidar do nosso Sono?

A preparação de uma boa noite de sono começa a partir do momento em que nos levantamos de manhã. Esta é a grande máxima!

É necessária perseverança, convicção e disciplina para conseguirmos implementar bons hábitos de higiene do sono, mas é o melhor investimento que podemos fazer. Não há medicação que substitua estas medidas, embora possam existir casos em que ela é necessária. E a ajuda especializada existe, para que não tenha que fazê-lo sozinho.

Algumas dicas importantes:
  • Ter horários regulares para deitar e acordar (mesmo ao fim de semana e folgas).
  • Evitar sestas prolongadas durante o dia..
  • Praticar exercício físico, de preferência ao ar livre e de manhã. Este é o horário que melhor ajuda a regular o nosso relógio interno. Deve evitar-se o exercício nas 2 horas antes de deitar.
  • Manter o quarto escurecido e sem barulho. Se houver necessidade podem usar-se tampões de ouvidos e vendas para os olhos.
  • Limitar o consumo de cafeína, álcool e tabaco.
  • Evitar refeições copiosas ao deitar.
  • Caso acorde durante a noite não deve ver as horas. Pode levantar-se, sempre com “média luz”, e folhear uma revista ou jornal que não desperte grandes emoções. Quando se sentir novamente sonolento pode regressar à cama. Levantar à mesma hora na manhã seguinte é importante.
  • Evitar ecrãs luminosos pelo menos 1 hora antes de deitar (televisão, telemóvel, computador e tablet, por exemplo).
  • Os rituais antes de dormir são muito importantes (ex. tomar um banho calmamente, regar uma planta, etc).

A meditação, o mindfulness ou qualquer outra forma de aliviar a tensão emocional são também importantes. Existem várias aplicações de telemóvel que podem dar um bom contributo (Ex. Headspace®, Calm®, etc.).

Todos estes aspectos podem ser aprofundados em consultas especializadas de Psicologia, Psiquiatria e/ou Neurologia. Normalmente é importante uma abordagem multidisciplinar – isto é, ter o contributo destas especialidades em conjunto para que cada uma possa apoiar o doente naquela que é a sua área de interesse e experiência clínica.

É uma luta que vale a pena, pela qualidade de vida e pela saúde!

Fonte: Dra. Catarina Silva Santos – Neurologista – Equipa COGE